Democracia

Polarização e Guerra Civil

Os ensinamentos que podemos retirar da história

Era abril de 1861 nos Estados Unidos. Começava uma das mais sangrentas guerras americanas, a Guerra Civil, ou Guerra de Secessão, que durou exatos quatro anos, deixando mais de seiscentos mil mortos, cidades inteiras destruídas, famílias destroçadas e a economia em frangalhos.

Americanos ainda lamentam as milhares de mortes na Guerra de Secessão
Americanos ainda lamentam as milhares de mortes na Guerra de Secessão |  Foto: Divulgação
 

Tudo começou por causa da escravidão. Havia uma polarização enorme, entre os que a apoiavam, e aqueles que a rejeitavam. Os estados do Sul eram naturalmente escravocratas, uma vez que seus habitantes tinham, em sua maioria, a agricultura e os latifúndios como fonte de renda, explorando o solo com mão de obra escrava.

Os estados do Norte, ao contrário, baseavam sua economia na manufatura, investindo em mão de obra livre, sobretudo estrangeira, composta por imigrantes de outros países, que chegavam à América em busca de melhores condições de vida e de trabalho. Por tal motivo, defendiam a abolição da escravidão, com a libertação de milhões de negros.

Essa discussão arrastava-se há muitos anos, e tomou força com a posse de Abraham Lincoln, em março de 1861, notoriamente abolicionista, eleito pelo Norte, como presidente da Confederação. Oito Estados do Sul rebelaram-se, formando uma confederação autônoma, inclusive com Constituição própria. Estava aceso o barril de pólvora, cujo incêndio causado culminaria no assassinato deste em 15 de abril de 1865.

Trago à tona estes acontecimentos pois é preciso pontuar que a História é cíclica. A democracia é um sistema de governo que, por sua própria natureza, impõe um revezamento de poder, trazendo consigo os partidos de oposição.

O enfrentamento é uma circunstância previsível e até louvável, num sistema democrático, desde que sejam respeitadas algumas fronteiras. Quando a polarização é tamanha, que não se faz mais possível o diálogo ou o equilíbrio de forças, entre situação e oposição, bem como pelos 3 poderes da República, pelo sistema de freios e contrapesos, passa a pairar a ameaça da guerra civil.

Foi o que aconteceu nos Estados Unidos, em 1861. Quando oito Estados decidiram romper o pacto confederativo, criando leis próprias e desafiando a União, foi preciso que o Presidente tomasse uma atitude, para conter os rebeldes. O que, a princípio, julgou-se ser uma batalha isolada – a primeira das batalhas da Guerra Civil, a Batalha de Fort Sumter- logo tomou as características de uma guerra civil, arrastando a Nação para um cenário de caos e destruição.

O presidente Lincoln não conseguiu conter a fúria do Sul, que se sentia lesado pela iminência da abolição da escravatura. Afinal, os proprietários rurais haviam baseado sua economia extrativista na mão de obra escrava, e encaravam os escravos como bens, que integravam a sua propriedade. 

Com um discurso de que a União havia rompido com as regras constitucionais, posto que estava ameaçando sua propriedade privada, os sulistas rebelaram-se, dando início à invasão do Forte Sumter. Essa narrativa, embora totalmente dissociada da realidade, foi contagiante e logo todos os estados do Sul estavam em guerra contra a União.

E no Brasil?

No Brasil as eleções têm sido marcadas pela polarização entre eleitores dos candidatos Jair Bolsonaro e Lula
No Brasil as eleções têm sido marcadas pela polarização entre eleitores dos candidatos Jair Bolsonaro e Lula |  Foto: Arquivo / Lucas Benevides
 

Mas por que diabos estou falando da Guerra de Secessão? Por um motivo muito simples: vivemos, no Brasil, uma intensa polarização. Há tensão política e ideológica por todos os lados, e um grande e fundado receio de que as coisas não terminem bem. O atual Presidente da República já sofreu, inclusive, um atentado, que quase custou-lhe a vida, durante sua primeira campanha para a presidência em 2018.

As tensões nos EUA (um país já relativamente maduro, politicamente, nos idos de 1861), foram tão intensas, que ensejaram o assassinato de seu presidente, após uma guerra que durou 4 longos anos. Aqui no Brasil, temos um cenário parecido, e nunca se viu tamanha polarização, desde que a Constituição de 1988 foi promulgada.

Não quero com isso dizer que haverá algo similar por aqui. Que entraremos em guerra civil ou coisa parecida (muito embora a violência por aqui já nos coloque em primeiro lugar no ranking de mortes violentas e crimes, muito à frente de vários países que estão em guerra). Mas, gostaria de provocar reflexão, acerca dos motivos que nos trouxeram até aqui. Afinal, nunca escurece de uma vez só – as sombras chegam aos poucos, paulatinamente ocupando seu espaço na realidade.

É preciso avaliar o cenário público e político, com suas narrativas, seus discursos, suas conjecturas, suas propostas e as escolhas que se apresentam mais prováveis. De um lado, temos um Presidente da República conservador que busca a reeleição após um mandato turbulento, no qual enfrentou até uma pandemia. Do outro, um ex-presidente de esquerda, que busca ser reconduzido ao cargo, após uma série de denúncias de corrupção e escândalos diversos, que envolveram seu governo e o de sua sucessora, que sofreu impeachment.

A polarização advém desta oposição total, de perfis e propostas de governo. É preciso buscar manter a DEMOCRACIA, entendendo que tal oposição faz parte do jogo em Nações que elegeram esse sistema de governo. Afinal, DEMO significa povo, e CRACIA, sistema de governo: quem decide, portanto, é a população, pouco importando a contrariedade e o ranger de dentes do perdedor.

Que os exemplos que a História nos trazem sejam úteis para que pesemos e avaliemos, adequadamente, o que está em jogo nas eleições de outubro. Polarização desmedida e desarrazoada leva, sim, à guerra civil, ao caos e ao desgoverno.

Erika Figueiredo - Filosofia de Vida

Erika Figueiredo - Filosofia de Vida

A niteroiense Erika Rocha Figueiredo é escritora, professora e promotora de justiça

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